O diagnóstico precoce da hepatite C, infecção viral que afeta o fígado, é fundamental para evitar sua progressão e impedir que o indivíduo contagiado transmita a doença para outras pessoas. No entanto, os exames convencionais para identificar a enfermidade não são totalmente precisos e podem comprometer o resultado da avaliação médica. Além disso, alguns exames apresentam elevado custo e levam dias até apontar o diagnóstico. Pensando em propor uma solução a esse cenário, o pesquisador João Paulo de Campos da Costa, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, criou um dispositivo eletrônico mais rápido, exato e barato, que revela em poucos minutos se a pessoa está com a doença.
O indivíduo infectado com o vírus da hepatite C, o VHC, possui em seu sangue – local onde estão as células de defesa do organismo – o anticorpo que combate a doença, chamado de anti-VHC. Para que o equipamento da USP detecte se a pessoa contém esse anticorpo o procedimento é o seguinte: a partir do sangue extraído são realizados procedimentos em laboratório até que uma gota do composto final seja pingada sobre um pequeno sensor eletroquímico que contém uma proteína do VHC. “Caso a pessoa possua os anticorpos contra o vírus, eles irão ‘se ligar’ com a proteína viral, gerando uma reação que diminui a corrente elétrica que passa pelo aparelho. É justamente essa redução na corrente que nos indica a infecção da pessoa”, explica Costa.
Segundo o pesquisador, o equipamento possui mil vezes mais sensibilidade para detectar o anti-VHC se comparado aos modelos de exames convencionais que, algumas vezes, não são capazes de identificar pequenas quantidades de anticorpos. O dispositivo, que custou cerca de R$ 430,00, exibe o diagnóstico em, no máximo, dez minutos. “Alguns exames levam até uma semana para ficarem prontos na rede pública e aqueles que utilizam sistemas eletroquímicos para diagnóstico são muito caros, podendo chegar a mais de R$ 20 mil”, afirma João Paulo que desenvolveu a tecnologia durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC.
Os resultados obtidos pelo aparelho são transmitidos por rede sem fio diretamente para um aplicativo de celular que poderá ser utilizado por profissionais da saúde. Intuitivo e com simples funcionamento, o app ainda é capaz de armazenar o exame do paciente em um cartão de memória e enviá-lo, via e-mail ou redes sociais, como WhatsApp e Facebook, ao médico responsável que irá interpretar o diagnóstico e definir o melhor tratamento da pessoa infectada.
Atualmente, o diagnóstico da hepatite C pode ser feito por meio de exames sorológicos, testes moleculares, além da biópsia hepática – exame realizado para determinar o grau do processo inflamatório, o estágio de fibrose e se há presença de cirrose no tecido hepático. De acordo com o especialista, esses exames demandam tempo, equipamentos especiais, laboratórios com infraestrutura adequada, profissionais especializados e qualificados e, no caso da biópsia, trata-se de um exame invasivo e que pode trazer riscos e complicações à saúde.
Para auxiliar o médico no tratamento mais específico de cada paciente, o sistema desenvolvido pelo pesquisador também pode ser programado para quantificar os anticorpos encontrados no soro sanguíneo, e até mesmo atuar no diagnóstico de outras doenças crônicas virais, como o HIV e outros tipos de hepatite. “É uma plataforma muito completa, permite diversas aplicações e agiliza o processo de diagnóstico da Hepatite C”, diz Paulo Inácio, biomédico e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFAR) da UNESP, em Araraquara (SP), entidade parceira no estudo.
Composto por um microcontrolador, amplificadores de sinal, bateria e sistema de recepção e envio de dados sem fio, o dispositivo pode ser facilmente replicado pela indústria. “Criar um aparelho de baixo custo e que pudesse ser produzido em larga escala era um dos meus objetivos desde o início do trabalho”, revela Costa que já atuou em um estudo na área de nanotecnologia aplicada à saúde em 2016. Naquela ocasião, a pesquisa tinha como objetivo desenvolver um biossensor para detecção precoce de hepatite C e câncer de ovário.
Outra vantagem do aparelho eletrônico da USP é sua portabilidade. Isso porque é possível levar o exame até pessoas com dificuldades de locomoção ou acamadas, que não conseguem se deslocar ao hospital mais próximo, ou mesmo a populações residentes em áreas de difícil acesso. A tecnologia utilizada no dispositivo é brasileira e, segundo o especialista, não há empresas nacionais que produzam esse tipo de solução.